quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Literatura no Impressionismo


LiteraturaCuriosidades - poema de:
Adélia Prado



Impressionista 


Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,

como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo. 
 

O termo Impressionismo também é usado para descrever obras de literatura nas quais basta acrescentar poucos detalhes para estabelecer as impressões sensoriais de um incidente ou cena. Literatura impressionista é bem relacionada a simbolismo, entre os seus melhores exemplares podemos encontrar: BaudelaireMallarméRimbaud e Verlaine. Autores tais como Virginia Woolf eJoseph Conrad escreveram trabalhos impressionistas de modo que, em vez de interpretar, eles descrevem as impressões, sensações e emoções que constituem uma vida mental de um caráter.


- O impressionismo na Literatura
Nos fins do século XIX e no início do século XX, há um momento na literatura ocidental em que se cruzam as mais variadas tendências. Configura-se uma fase de sincretismo decorrente da interpenetração de elementos realistas e naturalistas, com elementos de reação idealista representada pelo Simbolismo. Essa atitude estética tem sido denominada de Impressionismo.
Embora seja uma realidade comum na Pintura e nas outras artes, o Impressionismo só há pouco foi caracterizado e nomeado devidamente por estudiosos como Charles Bally, Elise Richter, Amado Alonso, Raimundo Lida, W. Falk, B. J. Gibbs, Afrânio Coutinho e outros (Proença Filho 1973: 272-273).
Na verdade, por ter-se mostrado fronteiriço com o Realismo, o Naturalismo e o Simbolismo, há uma certa dificuldade para se separar o impressionismo da linguagem do impressionismo pictórico e distingui-lo de experiências semelhantes em literatura, denominadas impressionismo literário. Amado Alonso e Raimundo Lida, em El impresionismo en el lenguaje, (Bally et alii 1956: 107-205), designa, por linguagem impressionista, oito aspectos: a) os estilo dos escritores que são chamados de impressionistas, b) a linguagem cujo conteúdo é uma experiência impressionista: c) a linguagem "fenomenista", conforme Charles Bally; d) a escrita que evita a construção regular da frase e do período e prefere os toques isolados, isto é, orações nominais; e) a linguagem dessubjetivada, isto é, com a supressão do eu; f) a expressão da pura sensação instantânea, não deformada por nosso conhecimento prévio; g) a linguagem objetiva, em oposição à expressionista (subjetiva).
A gênese do Impressionismo, "como fenômeno literário, dá-se no seio do Realismo-Naturalismo, de que ele é um produto. Em verdade, o Impressionismo é uma forma do Realismo, resultante de sua transformação por efeito das variações estéticas e culturais do fim do século e da reação idealista. É o produto da fusão de elementos simbolistas e realístico-naturalistas. A reprodução da realidade, de maneira impessoal, objetiva, exata, minuciosa, constituía a norma realista; para o impressionista, a realidade ainda persiste como foco de interesse, mas, ao contrário, o que pretende é registrar a impressão que a realidade provoca no espírito do artista, no momento mesmo em que se dá a impressão. O mais importante no Impressionismo é o instantâneo e único, tal como aparece ao olho do observador. Não é o objeto, mas as sensações e emoções que ele desperta, num dado instante, no espírito do observador, que é por ele reproduzido caprichosa e vagamente. Não se trata de apresentar o objeto tal como visto, mas como é visto e sentido num dado momento." (Coutinho 1990: 223)
"Se se quiser sintetizar numa fórmula filosófica a essência da atitude impressionista, esta deverá ser, como sugeriu Arnold Hauser, a idéia de Heráclito de que o homem não mergulha duas vezes no rio da vida em eterno movimento para diante (Coutinho 1990: 224) (Hauser 1972:1050).
De acordo com Maurice Serullaz, a correspondência entre pintura, literatura e música no Impressionismo pode ser observada como a "notação rápida da impressão fugitiva, esse triunfo da sensação sobre a concepção racional - o "sinto, logo existo" de Gide substituindo o "penso, logo existo" do cartesianismo clássico. Cores, palavras e sons servem então ao artista para traduzir sensações experimentadas pelo homem; o músico e o poeta "pintam" aquilo que eles experimentam e o pintor sugere a música das coisas (Serullaz 1965: 12)".

Nessa linha de correspondência, temos as obras dos músicos Claude Debussy (1861-1918), Gabriel Fauré (1845-1924) e Maurice Ravel (1875-1937); dos escritores André Gide (1869-1951), Marcel Proust (1871-1922) e Pierre Loti (1850-1923); dos poetas Paul Verlaine (1844-1896) e Arthur Rimbaud (1854-1891), entre outros.
Claude Debussy pratica, como os pintores impressionistas, toda as formas da fragmentação, do retalhamento, da decomposição dos sons e dos timbres. Gabriel Fauré pratica uma arte de nuances, evocando o mar, as vagas, as nuvens e o vento, em uma música onde o ritmo é apenas sensível.
Os escritores retomam dos pintores seus temas de predileção: a água, a luz, as vibrações, os reflexos, o vento, etc. André Gide, em Os frutos da terra, afirma: "Não bastaler que as areias das praias são doces; quero que meus pés as sintam... É-me inútil todo conhecimento que uma sensação não precedeu" (Gide 1982: 28). Marcel Proust, nos volumes de À procura do tempo perdido, apresenta a metamorfose das coisas representadas, análoga àquela que em poesia se chama "metáfora", isto é, se já havia uma nomeação da realidade , seria necessário renomeá-la, recriá-la (Serullaz 1965: 14). Pierre Loti, em Pêcheur d’Islande utiliza a impressão que o presente lhe causa para retornar ao passado, fazendo a narrativa em três faixas de tempo (o presente, o tempo da recordação e a recordação de fatos anteriores) (Proença Filho 1973: 263). Paul Verlaine, em Arte Poética, privilegia a música, valoriza o ímpar, o vago, a nuance, a sugestão, ao invés da busca do registro convencional da realidade.
Um outro elenco de escritores pode ser incluído: os irmãos Edmond (1822-1896) e Jules Goncourt (1830-1870), Henry James (1843-1916), Joseph Conrad (1857-1924), Anton Tchecov (1860-1904), Stephen Crane (1871-1900), Katherine Mansfield (1888-1923), Thomas Wolfe (1900-1938), Fialho de Almeida (1875-1911).
Algumas características do Impressionismo Literário parecem-nos necessárias para procurarmos estabelecer a correspondência entre as técnicas impressionistas da pintura aplicadas à literatura. Escolhemos uma série de conceitos estudados por teóricos que podem ser aproveitados para nosso objeto de estudo.

a) "O impressionismo capta os fatos exteriores sem referi-los a causa ou efeito. Prefere as formas impessoais, as construções nominais, as sinestesias. Cada objeto na captação impressionista aparece animado de um dinamismo interno..." (Castagnino 1971: 237)
b) "A materialização do que é essencialmente abstrato, imaterial, é outra tendência impressionista." (Castagnino 1971: 237) Trata-se da "cenestesia , recurso impressionista que materializa o imaterial, o estado de ânimo (Castagnino 1971: 237)".
É o que podemos observar na primeira estrofe da primeira parte de "O Sentimento dum Ocidental"
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal mecancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam um desejo absurdo de sofrer. (I, 1)
c) "A noção de tempo manifesta-se também em atitude diferente para o expressionismo ou impressionismo. (...) O impressionismo (...), na captação imediata, sem relação de causa e efeito, vê o tempo como o inatingível, como um perpétuo fluir, subjetivamente (Castagnino 1971: 238)."
d) construção oracional - desprendida das relações lógico-gramaticais, com frases curtas e acumulativas (Castagnino 1971: 238).
e) "A presença de sensações auditivas nas sinestesias permite falar estilisticamente de sons impressionistas, pois através deles o criador procurou transmitir a insinuação, a sugestão ampla dos seres e das coisas; não sua reprodução, sua cópia; não os seres e as próprias coisas, e, sim, sua impressão (Castagnino 1971: 240)."
f) É o "domínio do momento sobre a continuidade e a permanência, pois a realidade não é um estado coerente e estável, mas um vir-a-ser, um processo em curso, em crescimento e decadência, uma metamorfose (Coutinho 1990: 224)."
g) "Arte de cunho pictórico, o Impressionismo Literário acompanha a técnica dominante da pintura com o "pontilhismo", o "divisionismo", acumulando sensações isoladas, detalhes, para a captação de um mundo de aparências efêmeras, que o leitor apreende, depois sintetizando, somando os aspectos parciais. O impressionista "inventa" paisagens, que parecem mais autênticas do que a realidade (Coutinho 1990: 226)."


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Cesário Verde, o poeta impressionista



Alberto Caeiro podia ler Cesário Verde até lhe arderem os olhos, mas ainda falta reconhecimento ao poeta português que, muito antes de Fernando Pessoa, brincou com a multiplicidade de eus poéticos.

Por Tatiana Napolia

Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.
Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas cousas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos...
Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros...
Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema III"

 Almeida GarrettAlmeida Garrett foi o grande responsável pela introdução do movimento romântico em Portugal. Perseguido após o retorno do absolutismo no país em 1822, o escritor se exilou por duas vezes em território inglês, onde sofreu influência dos movimentos culturais que davam início ao romantismo. Dessa influência são frutos os poemas "Camões" (1825) e "D. Branca ou A Conquista de Algarve" (1826), escritos na França e publicados em Paris. Os dois poemas ilustram a ruptura de Garrett com sua formação neoclássica e serviram de "porta de entrada" para o Romantismo no país lusitano. O ano de lançamento de "Camões", 1825, tornou-se o marco para a instauração do novo movimento em Portugal e o seu prefácio é considerado o documento fundador, em termos de análise teórica, do Romantismo no país.
Alguns escritores nascem para ser "gauche" na vida. Apesar de terem talento, domínio da técnica literária e grande sensibilidade, morrem praticamente ignorados por leitores e pela crítica e apenas nas gerações futuras obtêm o reconhecimento que merecem. O português Cesário Verde foi um desses poetas desconjuntados dentro do próprio tempo.
Na descrição de Jorge Luiz Antônio na introdução do livro Cores, forma, luz, movimento: a poesia de Cesário Verde (Musa Editora): "A obra poética de Cesário Verde é um olho que caminha pelas ruas de Lisboa ou pelos campos de Linda-a-Pastora. Um olho que se constrói pela descrição (objetiva versus subjetiva), pela visualidade, pelos enquadramentos à semelhança da moldura para a fotografia, para o cinema e para a pintura (quadros fixos ou em movimento), numa relação poesia + pintura ou poesia = pintura, ou mesmo poesia-pintura, desenho, fotografia, cinema, etc".
A curta produção literária (ao todo, 42 poemas) de Cesário Verde foi ignorada por completo pela crítica da época. O motivo pelo descaso é facilmente identificável:
Cesário Verde destoa de modo gritante dos autores e do estilo - Romantismo já decadente e Realismo despontando - que lhe eram contemporâneos. Ainda que seus versos tenham o rigor estilístico digno do Parnasianismo, sua temática, que vai do erótico ao social, é totalmente oposta à visão romântica. Sua poesia é marcada por um lirismo não amoroso, uma visão não idealizada, um eu-lírico a discorrer sobre o cotidiano de forma realista e objetiva, mas não fria - e sim em caloroso tom pessoal e subjetivo, como pinceladas em um quadro impressionista.

O solipsista romântico raro vislumbra a objetividade; o que há, pelo contrário, é uma projeção do sujeito no mundo, que então se transforma numa espécie de espelho no qual o poeta, contemplando a si mesmo, pode satisfazer seus impulsos narcísicos. Essa característica está nítida em Folhas Caídas, em que um Almeida Garrett romântico - ao menos, no limite permitido por seu temperamento e por sua formação arcádica - nos apresenta "Cascais". Após a descrição de uma paisagem árida e rochosa, afirma o poema que aquela "bruta serra" "foi um céu na terra", justamente por força da prevalência da subjetividade - "Ali sós no mundo, sós, / Santo Deus! como vivemos! / Como éramos tudo nós / E de nada mais soubemos!".




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texto retirado do site -  http://www.revista.agulha.nom.br/ag52verde.htm

A plasticidade na poesia de Cesário Verde
Maiara Gouveia
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Nosso trabalho tem por objetivo estudar a plasticidade em Cesário Verde, poeta português da segunda metade do século XIX, autor de uma poesia inovadora e singular.
Evidentemente, “o olhar que engendra os poemas de Cesário guarda estreita afinidade com o do artista plástico, concentrando formas e cores, captadas com extremo frescor.” (Moisés 1982: 6), mas não é esse o aspecto que pretendemos analisar. Antes, a capacidade da obra cesarina de criar uma linguagem maleável cujos recursos visuais e sensoriais associados ao movimento criam estreita afinidade com uma realidade em processo de transformação.
Fernando Pessoa define o plástico de um modo que nos interessa. Vejamos: “Segundo característico da objetividade poética é aquilo que podemos chamar a plasticidade; e entendemos por plasticidade a fixação do visto ou ouvido como exterior, não como sensação, mas como visão ou audição. Plástica nesse sentido, foi toda a poesia grega e romana, plástica poesia dos parnasianos, plástica (além de epigramática e mais) a de Victor Hugo, plástica, de novo modo, a de Cesário Verde. A perfeição da poesia plástica consiste em dar a impressão exata e nítida (sem ser exatamente epigramática) do exterior como exterior, o que não impede de, ao mesmo tempo, o dar como interior, como emocionado.” (Pessoa 1974: 384, 385)
Plástica é a poesia em que a visualidade ressalta, aquela em que realidade exterior é mostrada, principalmente através da descritividade e objetividade da linguagem. Iremos analisar a visualidade da poesia de Cesário Verde e o novo modo, sublinhado por Pessoa, de trazer a impressão do exterior. Não deixaremos, no entanto, de mencionar a importância do subjetivo nessa obra em que a realidade é revelada através da justaposição da impressão do observador às imagens destacadas de um instante, fato que permite associá-la ao pictórico impressionista.
É importante situar a poesia que ora estudamos no contexto histórico e social em que se realiza: o cenário europeu do século XIX apresenta-se como espaço de alterações sociais e inúmeros conflitos. O fim desse século de capitalismo triunfante caracteriza-se pela consolidação do poderio britânico, fazendo da Inglaterra símbolo das potências industrial e colonial e modelo às outras nações. Não podemos deixar de comentar acerca da luta operária que nasce da organização de grupos mais ou menos unificados a partir da difusão das idéias anarquistas e socialistas no continente; enquanto isso, Portugal realiza um progresso artificial: apesar da revolução dos transportes, com a implementação de estradas de ferro e aquisição de locomotivas, o advento da navegação à vapor, etc, e da dinamização dos meios de comunicação, a economia continua dependente, e a base que sustenta as relações econômicas do país continua, predominantemente, agrária. (Serrão: 1957)
A plasticidade da poesia cesarina retrata de maneira surpreendente o caráter desse período de transição: a maleabilidade visual permite ao poeta a construção de momentos imagéticos que se dissolvem em outros, criando um meio intermediário entre a fotografia e a pintura, beirando o cinematográfico[1]. A revelação de uma imagem instantânea retirada do real (fotográfica) apresenta-se mediada pela subjetividade, um 'eu' interagindo com o mundo e dele extraindo cenas que despertam sensações e/ou sentimentos. As imagens ganham formas e tons específicos para acentuarem aquilo que evocam; o observador recria a realidade como faz o pintor. Por outro lado, as imagens dessa poética estão sempre em movimento, o 'eu' perambulando entre aquilo que vê e o modo como vê assemelha-se, muitas vezes, a uma câmera flagrando fragmentos de realidade.
Assim, em “A Débil”, por exemplo, o registro de diversos momentos captados em imagens acompanha o ritmo dos movimentos nele descritos, criando as diversas possibilidades de leitura do poema. Quando o narrador abandona sua posição estática: "sentado à mesa dum café devasso" e depara-se com a cidade, o ritmo adquire a cadência da movimentação urbana: "(...) Triste eu saí. Doía-me a cabeça;/ Uma turba ruidosa, negra, espessa, /Voltava das exéquias de um monarca.". Os ruídos da turba que passa são, da mesma forma que o próprio passar dessa turba, representados também pela sonoridade, principalmente pela repetição dos fonemas /r/ e /s/. O olhar do narrador interfere em sua visão, desse modo, o negrume e a espessura da multidão compõem a pintura turbulenta e pesada , afinada com o estado de espírito do pintor; ao mesmo tempo, o quadro delata as cores fúnebres dos resquícios das exéquias, da cerimônia de enterro do monarca, redimensionando a significação da imagem. Vemos através desses versos como a poesia de Cesário realiza uma simbiose entre linguagens: o pictórico mescla-se ao “cinematográfico” criando múltiplos sentidos.


O sol dourava o céu. E a regateira,
Como vendera a sua fresca alface
E dera o ramo de hortelã que cheira,
Voltando-se, gritou-me prazenteira:
"Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!"...

Eu acerquei-me dela sem desprezo;
E, pelas duas asas a quebrar,
Nós levantamos todo aquele peso
Que ao chão de pedra resistia preso,
Com um enorme esforço muscular.

"Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!"
E recebi, naquela despedida,
As forças, a alegria, a plenitude,
Que brotam dum excesso de virtude
Ou duma digestão desconhecida.
É notável a transformação dos tons esmaecidos de matizes transparentes em cores mais fortes adivinhadas no verde do ramo de hortelã e na alface e explicitada no dourado do céu. O “corpo orgânico” manteve seus aromas e sua multiplicidade de coloridos. A jovialidade da vendedeira ao pedir ajuda, a falta de desprezo com que é atendida, o “enorme esforço muscular” realizado para levantar o cesto, tudo reflete “as forças, a alegria, a plenitude”de uma mudança drástica de estado de espírito. Os versos “Que brotam dum excesso de virtude/Ou duma digestão desconhecida” revelam um humor brincalhão, muito diferente daquele observado no início do poema, na terceira estrofe, em que o tom irônico revela o desgaste, o fastio do narrador.


E enquanto sigo para o lado oposto,
E ao longe rodam umas carruagens,
A pobre afasta-se, ao calor de Agosto,
Descolorida nas maçãs do rosto,
E sem quadris na saia de ramagens.

Um pequerrucho rega a trepadeira
Duma janela azul; e como o ralo
Do regador, parece que joeira
Ou que borrifa estrelas; e a poeira
Que eleva nuvens alvas a incensá-lo.

Chegam do gigo emanações sadias,
Oiço um canário - que infantil chilrada! -
Lidam ménages entre as gelosias,
E o sol estende, pelas frontarias,
Seus raios de laranja destilada.
Novamente, a exposição das imagens lembra a montagem cinematográfica. Primeiro mostra o transeunte partindo para o “lado oposto”, depois aponta as carruagens ao longe e, na seqüência, indica o afastar da moça “descolorida nas maçãs do rosto/e sem quadris na saia de ramagens”. Esses versos estão repletos de contrastes, o contraste social nos caminhos opostos das duas personagens, o descolorido da face da moça que carrega o multicolorido da “horta aglomerada”, a ausência de formas dentro da saia estampada. Essa contraposição de imagens é recurso constante na poética estudada, mas nos chamou a atenção a seguinte, presente em “Setentrional”: “E no pomar, nós dois, ombro com ombro/ Caminhamos sós e de mãos dadas,/Beijando os nossos rostos sem assombro,/E colorindo as faces desbotadas”. As cores das frutas remetem ao saudável em oposição ao desbotado das faces dos amantes exprimindo fraqueza, ao dizer “descolorida nas maçãs do rosto”, no entanto, Cesário estabelece um jogo semântico ainda mais interessante:
 “(...) no contexto do poema, a familiar metáfora morta que é a frase ‘ maçãs do rosto’ é galvanizada para uma nova vida pela sua associação implícita com a fruta real no cabaz da rapariga” (Macedo 1975: 153).
A segunda cena dessas três estrofes é o quadro do garoto espirrando água na planta como quem separa o joio do trigo ou como quem “borrifa estrelas”, a claridade da pequena tela nos remete novamente ao impressionismo, à luminosidade cristalina. Depois, o canto infantil do canário, as emanações salutares, “os raios de laranja destilada”, tudo nos transmite a alegria e o sabor do rejuvenescido:
“A criança vê tudo como se fosse uma novidade; está sempre ébria. Nada se assemelha mais àquilo que chamamos inspiração do que a alegria com a qual a criança absorve a forma e a cor. Ousarei ir um pouco mais longe; afirmo que a inspiração tem certa relação com a congestão, e que todo pensamento sublime é acompanhado de um impulso nervoso que ressoa até o cerebelo. (...) o gênio não é senão a infância reencontrada, sem restrições, a infância dotada agora, para se exprimir, de órgãos viris e de espírito analítico, que lhe permitem ordenar o conjunto de dados involuntariamente recolhidos.” (Baudelaire 1993: 16)


Algumas linhas gerais permitem entrever a complexidade e a multiplicidade de ângulos pelos quais essa poesia pode ser avaliada. Nenhum ponto de vista encerra a discussão, a poética de Verde engloba diversos elementos estéticos entrecruzados e apenas o encontro desses elementos constitui o efeito final de sua originalidade.
Dois poemas servirão de base ao estudo da plasticidade na poesia de Cesário Verde: “Num Bairro Moderno” e “O Sentimento de um Ocidental”, pelo fato de apresentarem uma estrutura totalmente permeada pela transformação, transformação que dialoga com o caráter mutável da época em estão inscritos e representada pela visualidade exposta em um fluxo de imagens sucessivas. Juntos realizam uma síntese dos principais pontos de vista pelos quais podemos analisar essa obra.
Em “Num Bairro Moderno”, a figura feminina estabelece o contraste entre campo e cidade e altera o estado de espírito do narrador; a presença da luz é essencial nesse poema, compondo, juntamente com o olhar do 'eu' poético, a metamorfose imagética, possibilitando a associação já citada ao pictórico impressionista (voltaremos a ela no decorrer do estudo). A transmutação observada no poema é engendrada através da visão do "fragmento de campo" reconhecido no cabaz da vendedeira. Essa visão dissipa a apatia e a doença e recria a humanidade, trazendo saúde e vitalidade à realidade citadina. Em contrapartida, em “O Sentimento de um Ocidental” a cidade absorve o narrador através de uma noite crescente. Essa noite é o pano de fundo tenebroso em que as injustiças sociais, a doença associada ao modo de vida na capital, a sensação de prisão e sufocamento inspirada pelo ambiente urbano, engendram a transformação que caminha, gradualmente, para a plenitude do pasmo e do arrefecimento.
Assim, podendo enxergar os constituintes das diversas propostas de estudo da poesia de Cesário Verde, poderemos demonstrar de que forma a plasticidade se mostra fundamental para entendermos sua originalidade.
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Em “Num Bairro Moderno”, logo no primeiro verso temos a demarcação do instante, dez horas da manhã; em seguida, o cenário é apresentado: o bairro com ares de modernidade entrevistos na “larga rua macadamizada”. O tempo e o espaço são determinados em uma espécie de enquadramento como se um pintor acabasse de escolher o lugar e a hora do dia para registrar com sua paleta. Vejamos:
Dez horas da manhã; os transparentes
Matizam uma casa apalaçada;
Pelos jardins estancam-se os nascentes,
E fere a vista, com brancuras quentes,
A larga rua macadamizada.

Rez de chausée repousam sossegados,
Abriram-se, nalguns, as persianas,
E dum ou doutro, em quartos estucados,
Ou entre a rama dos papéis pintados,
Reluzem, num almoço, as porcelanas.

Como é saudável ter o seu conchego,
E a sua vida fácil! Eu descia,
Sem muita pressa, para o meu emprego,
Aonde agora quase sempre chego
Com as tonturas duma apoplexia
A comparação da composição poética cesarina ao pictórico impressionista assume nesses versos caráter marcante: cores claras e transparências luminosas surgem na construção do quadro matutino. É curiosa a maneira de conduzir nosso olhar afunilando a imagem e concentrando a sensação, explicando melhor, é partindo do mais externo e abrangente (a larga rua), para o mais específico e restrito, (o lar, e, por fim, o indivíduo) que relata a morosidade, o tédio e apatia.
Na terceira estrofe, o aparente contraste das “tonturas duma apoplexia” do caminhante com o “conchego saudável” ao redor constituem uma ironia, ele desce “sem muita pressa” para o “emprego” (notem, ele desce para o “emprego”, não para um trabalho) seguindo com a mesma lentidão da vida ao redor:
 “O narrador, como em outros monólogos dramáticos de Cesário, é um 'eu' obviamente fictício, caracterizado como um pequeno-burguês, porventura empregado no comércio ou funcionário público, cuja rotina de frustração se tem vindo a traduzir em constantes ataques de tonturas que o levam a comentar ironicamente sobre 'como é saudável' ter o 'conchego' e a 'vida fácil' representados pelas casas apalaçadas que avultam nas largas ruas modernas por onde vai a pé para o trabalho.” (Macedo 1975: 149)
O mal estar do transeunte antecede o segundo momento do poema: a aparição da figura feminina. Caracterizada como uma trabalhadora sem atrativos e desamparada, essa mulher, no entanto, chama a atenção do observador. Ocorre algo semelhante no poema “Contrariedades”, o desconforto do narrador o aproxima da “infeliz, sem peito”, e embora em condições sociais diferentes, ambos são oprimidos por uma realidade doenti

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retirato do site blog   http://pensador.uol.com.br/poemas_de_baudelaire/



Poemas de Baudelaire

Cerca de 38 poemas de baudelaire
"É preciso estar sempre embriagado. Eis aí tudo: é a única questão. Para não sentirdes o horrível fardo do Tempo que rompe os vossos ombros e vos inclina para o chão, é preciso embriagar-vos sem trégua.
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira. Mas embriagai-vos.
E se, alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre a grama verde de um precipício, na solidão morna do vosso quarto, vós acordardes, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que foge, a tudo que geme, a tudo que anda, a tudo que canta, a tudo que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, responder-vos-ão: 'É hora de embriagar-vos! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos: embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira'."
Charles Baudelair

VAMPIRO

Tu que, como uma punhalada
Invadiste meu coração triste,
Tu que, forte como manada
De demônios, louca surgiste,

Para no espírito humilhado
Encontrar o leito ao ascendente,
- IInfame a que eu estou atado
Tal como o forçado à corrente,

Como a seu jogo o jogador,
Como à garrafa o beberrão,
Como aos vermes a podridão
- Maldita sejas, como for!

Implorei ao punhal veloz
Dar-me a liberdade, um dia,
Disse após ao veneno atroz
Que me amparasse a covardia.

Mas não! O veneno e o punhal
Disseram-me de ar zombeiro
"Ninguem te livrará afinal
De teu maldito cativeiro

Ah! imbecil-de teu retiro
Se te livrássemos um dia,
Teu beijo ressuscitaria
O cadaver de teu vampiro!"
Charles Baudelaire

Que é o amor?
A necessidade de sair de si.
O homem é um animal adorador
Adorar é sacrificar-se e prostituir-se
Assim, todo amor é prostituição.
Charles Baudelaire
Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.
Charles Baudelaire
Teus olhos são lassos, amante!
Olhos em sono a se perder,
Nesta posição tão distante
Pode surpreenter-te o prezer
E pelo pátio o jorro de água
Não cala nunca o seu rumor,
E entretém a extasiada mágoa
Em que pode atirar-me o amor.

Mas o amor irradia
E é odo flores
Ede Febo a alegria
Enche-o de corres
E tal chuva desfia
Imensas dores
Charles Baudelaire
É preciso estar sempre embriagado.
Isso é tudo: é a única questão.
Para não sentir o horrível fardo do tempo que lhe quebra os ombros e o curva para o chão, é preciso embriagar-se sem perdão.
Mas de que?
De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser.
Mas embriague-se.
E se às vezes, nos degraus de um palácio, na grama verde de um fosso, na solidão triste do seu quarto, você acorda, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, pergunte ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunte que horas são e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio lhe responderão:
É hora de embriagar-se!
Para não ser o escravo mártir do tempo, embriague-se;
embriague-se sem parar!
De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser.
Charles Baudelaire

Manejar sabiamente uma língua é praticar uma espécie de feitiçaria evocatória.
Charles Baudelaire
Existem em todo o homem, a todo o momento, duas postulações simultâneas, uma a Deus, outra a Satanás. A invocação a Deus, ou espiritualidade, é um desejo de elevar-se; aquela a Satanás, ou animalidade, é uma alegria de precipitar-se no abismo.
Charles Baudelair
A gramática, a mesma árida gramática, transforma-se em algo parecido a uma feitiçaria evocatória; as palavras ressuscitam revestidas de carne e osso, o substantivo, em sua majestade substancial, o adjectivo, roupa transparente que o veste e dá cor como um verniz, e o verbo, anjo do movimento que dá impulso á frase.
Charles Baudelair
Todo o homem saudável consegue ficar dois dias sem comer - sem a poesia, jamais.
Charles Baudelaire
O poeta é como o príncipe das nuvens. As suas asas de gigante não o deixam caminhar.
Charles Baudelaire
Que há de mais absurdo que o progresso, já que o homem, como está provado pelos fatos de todos os dias, é sempre igual e semelhante ao homem, isto é, sempre em estado selvagem.
Charles Baudelaire
“Existem manhãs em que abrimos a janela, e temos a impressão de que o dia está nos esperando.”
Charles Baudelaire
As nações não têm grandes homens senão contra a vontade delas - assim como as famílias.
Charles Baudelaire
Há que trabalhar, ainda que não seja por gosto, ao menos por desespero, uma vez que, bem vistas as coisas, trabalhar é menos aborrecido do que divertirmo-nos.
Charles Baudelaire

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